Sobre as minhas atmosferas de ontem/hoje de madrugada... B.B. King tocando, uma chuva forte e linda que não para, páginas de livro, chá de flor, rabiscos de um poema do lado de dentro, cachorro deitadinho, ensaio de frio, árvore piscando, reticências internas e só um pensamento, daqueles que não podia nem pe[n]sar, mas que o blues me lembra, me faz ter.
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Acordar cedo, ficar na cama olhando para o tempo e tentar segurá-lo, café quente, forte e sem açúcar, cheiro de cuscuz, Kate Nash tocando, ir pra janela, querer estar longe, querer estar perto, sentir saudade de pessoas e lugares, cachorro querendo brincar, chuva se decidindo se fica ou se vai, pensar no dia, caminhar, sair, ir ao centro da cidade cedinho da manhã, procurar um filme, matar desejos possíveis, comer o pastel de carne preferido, tomar um caldo de cana, ir na música urbana, voltar pra concha, escrever, ficar em silêncio, ler, fazer comidinhas com gosto de sábado. Breathe. Escrito em 11/07/2015
Acho que nunca vou cansar de [re] ver "Before Sunrise", primeiro filme de uma das mais bonitas trilogias do cinema. Não, não dá pra esquecer Celine e Jesse. Tudo isso é culpa do grande Richard Linklater. E sobre o filme...entre diálogos tãooooo bons, entre as andanças nas ruas de Vienna, entre longas conversas em uma madrugada e um encontro que acontece entre cidades, sobre trilhos e um destino, tem essa cena... com essa música, com esse "silêncio" e com esses dois.
"l guess you know what kind of peoplel'm talking about..."
Gosto da chuva, gosto de prestar atenção nela. Hoje acordei bem cedo e a primeira coisa que percebi foi que havia uma chuva forte caindo e o céu cinza mudo. Então houve aquele momento que lembrei do meu filme preferido. Sim, custou muito pra elegê-lo mas a verdade é que 'Minha Vida sem Mim' é meu filme preferido. Há uma razão pra isso. Sim, há, mas não sei explicar muito bem e acho que nem preciso. Eu só sei que ele é meu preferido por um monte de coisa que tem dentro dele. Bem, a questão é... está chovendo. E por um monte de motivos, que não interessam muito a um blog, posso dizer que a chuva traz um monte de coisas para o lado de dentro. Sensações vêm junto com a chuva, parece que tudo que se traduz, é traduzido através do todo da chuva e de tudo que tem nela: o cheiro, o gosto, a sensação de quando ela bate no corpo da gente ou do lado de dentro. Bem, se há algo que traduz todas sensações que são os dois minutos iniciais do filme "My Life Without me". São os dois minutos iniciais do filme, na verdade, os menos de dois minutos iniciais mais bonitos que já vi em um filme. Segue abaixo o vídeo legendado e logo depois está o texto em inglês, que é mais bonito ainda. Acho que não preciso de mais palavras, pois o vídeo traduz o que queria escrever.
Bom dia. Que bom acordar cedo e aproveitar o dia. E finalmente sentei em meu lugar preferido de SP, o parqueTrianon Masp. Aqui é tipo um jardim secreto em plena Avenida Paulista. Gosto tanto que nem sei... É um lugar que tudo para em mim, menos o que está do lado de dentro, e essa parte que não para, acalma, muda de tom, sinto,[re]ciclo. Olho pra o outro lado e construo/sinto coisas. O lugar é tão verde, cheio de caminhos, cheio de passarinhos e tem um cheiro tão bom! Faz frio e também por isso fico feliz. Aqui, me concentro com tanta leveza que nem escuto mais os carros ou helicópteros na Paulista. Pego um café, o preferido daqui que é logo ali na esquina, e trago pra cá. Respiro, leio um pedaço de Lavoura Arcaica, "Pondo folhas vermelhas em desassossego, centenas de feiticeiros desceram em caravana, dos altos dos galhos, viajando com o vento...". Penso em tanto. Por aqui, as pessoas correm, passeiam com os cachorros, uns passeiam com seus companheiros, outros abrem o jornal, outros apenas respiram. Ando mais. Tiro fotos, leio mais. Algumas pessoas, assim como eu, apenas sentam nos bonitos banquinhos de madeiras que dão charme ao lugar. Tem um banco desses com uma fita vermelha amarrada no pé. Fico tentando imaginar em que contexto ela foi parar lá. Talvez exista uma história bonita amarrada ali.Respiro (suspiro? ). Escuto uma música. O dia está bonito, céu bem azul, nuvens brancas espaçadas, o sol parece querer gritar, mas o frio de 16 grau não o deixa. O café está esfriando. Como disse, o céu está bonito, mas segundo a previsão do tempo,talvez, chova ainda hoje. Ou daqui uns dias, em outros lugares que eu estiver. E sim, por isso, talvez eu precise de algo amarelo pra me proteger.
É domingo, mas acordei cedo com a pretensão de colocar em dia todas as
pendências. A gente sempre acha que tem
um dia que pode arrumar tudo, por dentro e por fora, mas a verdade é que, às
vezes, as entrelinhas das horas não deixam. Hoje, o que não me deixou começar a
ordenar tudo [Não, não sou virginiana] é
essa chuva bonita caindo pela minha janela. Não dá pra se isentar desse barulho que
acalenta tudo por dentro.O cair da
chuva parece um estado que faz com que o tempo pare e que nesse tempo a gente
pode sentir e fazer tudo o que quiser, como se existisse uma licença natural
pra isso.Vou pra janela e simplesmente
fico lá, longos minutos a fio. O café esfria e nem dou conta. Penso em tanta
coisa que o que não cabe mais em mim mando a chuva levar com ela. Nunca soube
fazer preces bonitas, mas acho que fiz uma hoje, mesmo que em silêncio, mesmo
sem saber se a chuva ouviu. A chuva lê a gente, [ou seria o contrário?] desvira cada palavra
truncada do lado de dentro, mesmo que elas se desvirem da maneira mais silenciosa
e que continuem ali, de alguma forma, escritas em outra cor, no canto delas. É então que o barulho da chuva vai dialogando
com as músicas do B.B. King. A chuva é
blues, mas também é blue. Daquele tipo de azul que é leve, tímido ou que parece querer gritar em neon. Com o blues e com as palavras [des] truncadas, a chuva transparente agarra o azul.E, o que importa, no final das contas, não são as pendências do lado de
fora e nem do lado de dentro, mas que neste
domingo, aparentemente qualquer de junho, a chuva, B.B. King, uma prece e café frio pintaram tudo de Blue [s].
Amanheço,
quarto escuro, música tocando baixinho, dizendo “Let me come over I can waist your time I'm
bored. Invite me to the war every night of the summer”…
Café quente, cachorro querendo brincar.Há um falso outono por aqui e por vários
motivos não gosto de verão. Há também um certo inverno ausente que me aquece. Há
uma música que não para de tocar do lado de dentro e ela tem cor indefinida. Há
a vontade colorir que amanheceu comigo.
Queria que o relógio retrocedesse, que o que é dia
virasse noite. A noite parece sempre me guardar e me aguardar. Às vezes, as
horas correm demais, e corro pra o lado de dentro do que não sejam os minutos.
A direção dos meus ponteiros parece não ser a mesma do que o tempo estabelece.
Escrevo, mas
quero linhas que ainda não vieram, que ainda dançam no ar, perdidas com
palavras desencontradas que esperam um arranjo como o de quase ser uma música.
Vivo entre palavras e sons, cores e sabores. É assim que horas, cheia de
entrelinhas, me atravessam, “looking for
somewhere to stand and stay”.
A escrita me puxa, mas esse relógio distorcido
chamado vida não deixa, parece que a cada palavra escrita, um ponteiro corre
querendo, desesperadamente, encontrar o outro. E então, vem uma imagem: de
qualquer coisa que alivia, de coisa azul, de jardim, de sorriso, de piquenique em parque em fim de tarde de outono. Então, “hang your holiday rainbow lights in the
garden and I'll...I'll bring a nice icy drink to you…"
"Toda definição acabada é uma espécie de morte, porque sendo fechada, mata justo a inquietação e a curiosidade que nos impulsionam para coisas que, vivas, palpitam e pulsam."
(Lucia Santaella)